terça-feira, 29 de janeiro de 2008

À descoberta de um Porto Seguro

O dia começou bem cedo para o rapaz, o Sol teimava em romper, mas aos poucos mostrava os seus primeiros raios envergonhados que desbotavam num amarelo manso lá ao longe, onde o Oceano se dobrava, no sítio onde muitos chamavam de Horizonte, para ele, era apenas o ponto mais distante para onde conseguia olhar, e gostava de o fazer, perder-se por essa distância fora....Ficar a "sonhar" como alguns lhe chamavam.
Olhou para baixo, para a laje que entrava mar adentro, para as estrias de rochas que faziam aquele pedaço de Mundo, aquele cantinho de costa "secreto" um dos seus locais preferidos para simplesmente "estar".
Pegou nele mesmo, vestiu o impermeável completo, as botas de neoperene, agasalhou-se para tornar o frio gélido matinal algo mais justo de se enfrentar, e agarrou na vara de spinning, carreto e mochila com as amostras...para dar justificação ao seu "estar" ali.
Concentrou-se no trilho íngreme e complicado, na descida da falésia, e fez-se ao caminho. Fê-lo sem pensar, todo o seu corpo e mente estavam concentrados no caminho, em por um pé aqui, outro ali...para evitar escorregar e outros dissabores de quem caminha com a cabeça..ou o olhar..no horizonte.
Minutos depois chegou ao fim, passou da terra batida para a rocha dura, de várias tonalidades e com mais tempo do que todas as gerações de Homens multiplicadas ao quadrado. Apreciou a monumental escultura que a Natureza tinha elaborado ao longo dos eons, faixas de rocha negra, cinza, laranja...uma paleta tão rica como a de qualquer pintor famoso.
Sentou-se.
Fitou o Oceano, tentou perceber a sua cor no dia de hoje, era de um azul profundo, salpicado pelos rebojos brancos que as vagas criavam ao rebentar na rocha, as ondas essas faziam muros de água, com uma cadência certinha que o deixava admirado.
"Perfeito" pensou para ele mesmo.
Tentava não pensar, tentava concentrar-se no "estar" ali e não pensar na má fase que estava a passar na sua vida, tenta não provar o grande dissabor que ainda teimava em amargar-lhe a boca.
Mas era-lhe difícil.
Lírico, era o que lhe chamavam.
Para ele não fazia grande sentido, pois para ele fazia-lhe confusão sim o não ser-se "lírico".
Dentro da sua cabeça "Porquês?" giravam mais rápido que a água escoava pelos caneiros fora quando as ondas recuavam...
Porque é que nos entregamos e depois, como recompensa, nos deixam? Porquê?
Porque é que o Amor, o que ele mais prezava, mais uma vez o desiludiu?
Doía-lhe pensar, e doía-lhe ainda mais sentir. Irritava-o até a frieza da grande maioria das pessoas, irritava-o o facto de trocarem afecto e preocupação por fraqueza.
"Se amo entrego-me, se me entrego mostro o que realmente sou, se mostro o que realmente sou, sou eu, mas porque é que se cansam sempre disso?" Essa ideia martelava-lhe o juízo, essa equação tão simples de momento parecia impossível de se resolver.
Porque é que é tão difícil ser-se, viver, sentir?
Ao mesmo tempo que todas estas ideias zumbiam com faíscas dentro do seu âmago, tenta abstrair-se delas e concentrar-se no Mar...
Abriu a caixa das amostras.
Mirou-a a por momentos pensou.
"Azul...hm...vai mesmo esta". Armou a amostra deu uns passos na direcção do Mar, e fez o primeiro lance.
"Porquê...? Que é que eu fiz de errado.."
O mesmo pensamento, o mesmo eterno pensamento de todos aqueles que são "líricos" assaltava-lhe o espírito...
Começou a achar-se um pouco obsessivo até, sozinho no sítio onde a Terra acaba e o Mar começa sorriu da sua própria depreciatividade para com ele mesmo..
Olhou para a direita e viu um recanto nas rochas, formava uma espécie de baía, uma enseada...um porto seguro natural, onde a água era calma, ao invés do mar bruto e agreste que se fazia sentir fora daquele pequeno lugar.
"Gostava de encontrar o meu Porto Seguro" pensou para com ele mesmo...
Uma onda de enchio quebra-se a poucos metros dele, dando-lhe um banho, e um susto.
A água, estranhamente quente fê-lo perceber que não, não estava num porto seguro, e se, esse realmente existir ainda não o encontrou.
"Onde vou buscar eu forças para procurar?"
Entre questões puxou mais um lançamento, na esperança que a ânsia e a dor fossem embora com o movimento, atiradas mar adentro.
Mas não foram.
Enquanto lutava contra memórias, contra momentos bons e maus que colidiam dentro de si, tentava concentrar-se no recolher da amostra...mas não se conseguia abstrair o suficiente.
"Porquê...?Eu entrego-me porque é que não sou correspondido...!"
Versos de várias músicas vinham-lhe à cabeça, poemas improvisados e criados no momento, mil e uma maneiras diferentes de explodir e dizer ao Mundo que ele era o que era.
Chegou à conclusão que era um poeta, não por escrever, não por ter esse dom.
Mas porque sentia, porque sentia bem demais.
Sentia aquilo que nem todos conseguem sentir, aproveitou o momento de iluminação e sentou-se, fitou o tal Horizonte, durante aqueles momentos nada mais lhe intressava....
Ele era ele mesmo, ele decidiu-se, a custo, a encontrar o seu Porto Seguro.
Decidiu tirar lições das más experiências, e guardar numa caixa de boas memórias os bons momentos da sua vida até então.
Com custo, com bastante custo mas tomou a decisão, sozinho, com a Natureza como testemunho...que iria ser feliz, que algo de bom estava guardado para si, teve fé e acreditou com todas as suas forças.
Bebeu um gole de água salgada, como que uma força de agradecer ao Mar a ajuda que lhe tinha dado, ele que sempre esteve presente, onde tudo começa e tudo acaba...
Aquele lugar, o propósito de estar ali, fez sentido.

...O Rapaz, por dentro, fez-se um Homem.

Ele é um lírico, e tu também o és...viverás no mesmo poema?

Até à próxima Maré Alta!

Russo

Sem comentários: